A execução a tiros dos irmãos Daniel Natividade, de 24 anos, e Gustavo Natividade, de 15, vítimas de traficantes do Comando Vermelho (CV), surpreendeu a todos. A motivação do ataque, entretanto, não. Os dois, que eram músicos do bloco afro Malê Debalê e não tinham qualquer envolvimento com o crime, foram mortos horas depois de posarem para uma foto durante um passeio em Emissário de Arembepe, área turística de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Nas mãos, as vítimas e outras duas pessoas faziam o ‘sinal do 3’, o que, para seus assassinos, saudava a facção rival Bonde do Maluco (BDM). A polícia diz que identificou os suspeitos, mas não detalhou as investigações.
Sinais de '2' ou '3' que, antes, serviam como composição em uma pose descontraída na Bahia e, sobretudo, em Salvador, ganharam uma roupagem perigosa. Enquanto alguém usa os dois dedos para, por exemplo, fazer o símbolo da ‘paz e amor’ em um gesto, a interpretação está aberta para um apoio ao CV. Para quem é roqueiro, por outro lado, o sinal que levanta três dedos, principalmente de forma lateral, pode ser visto como uma saudação para integrantes do BDM. Em um cenário de guerra entre as duas facções no estado, fazer qualquer um dos dois pode levar alguém à morte lá.
Caíque Alves, 25 anos, é morador de Tancredo Neves, um dos bairros da capital que é afetado pela presença das duas facções. Por lá, existe guerra em diferentes pontos, como no Canal 13, que separa as duas facções, e nas imediações da Rua Direta de Tancredo Neves, na altura da localidade do Arvoredo, onde até uma chacina foi registrada em um ataque de facção. Ao falar dos cuidados que precisa tomar para não ser associado a qualquer uma das organizações, o jovem cita uma frase já conhecida.
“Quem não é, não se mete. Então, eu nunca faço foto com sinal nas mãos. Meus braços ficam baixos ou para trás”, fala Caíque, ao detalhar o cuidado. Segundo ele, a restrição não se limita a gestos com os dedos. “Na hora de cortar cabelo e alinhar a sobrancelha, nem penso em fazer listra. Tem gente que usa uma, que até então não é de nenhuma facção, mas eu não faço nenhuma. Outra coisa são as tatuagens. Número nem pensar, principalmente ser 2 ou 3. Quem tiver, que apague”, orienta, falando que qualquer um desses símbolos, no contexto atual, pode causar a morte de alguém.
Para dimensionar o peso desses símbolos nas organizações criminosas, a reportagem ouviu policiais penais, que convivem diariamente com detentos ligados às facções e que se utilizam desses gestos como um marco identificador. Um policial, que prefere não se identificar, explica a dinâmica que evidencia o peso dos símbolos já na chegada dos presos nas penitenciárias que, atualmente, alocam membros de facções rivais em pavilhões diferentes. Todos são submetidos a uma espécie de ‘acareação’.
“A gente percebe [o uso dos sinais] assim que recebemos os presos. Quando eles adentram o pavilhão, os outros detentos começam com algumas perguntas, alguns linguajares e gestos para eles se identificarem, para verificar se eles realmente são de determinada facção. E vou mais além: não é só gestos, não. A depender, até próprias figuras em camisas, tipo Mickey e outras coisas mais significam que são de certa facção”, explica o policial, que ainda alerta para o uso de tatuagens que, de um tempo para cá, foram apropriadas pelas facções criminosas.
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